«Não sou vidente nem mágico, mas acredito que não vamos descer» - Jorge Simão


Apanhou o clube num dos piores momentos do seu passado recente. Quando já todos pensavam que a descida seria inevitável, Jorge Simão, com o futebol praticado e a vitória logo ao segundo jogo, trouxe a luz o fundo do túnel.

Antigo Coordenador Técnico da AF Lisboa e adjunto no Estrela da Amadora e Belenenses (entre outros), rejeita o papel de salvador, mas acredita nas suas capacidades e da sua equipa. A confiança está em alta, e só pede a ajuda dos adeptos.

Qual foi o clube que mais te marcou?
Acho que inevitavelmente acaba por ser o último [n.d.r. Belenenses]. Porque foi, também, o clube onde vivemos momentos muito intensos.

Tens personalidades que admires no futebol?
Há obviamente bons treinadores, treinadores de top. Os nomes são incontornáveis, são aqueles que toda a gente sabe também.

Antes de chegares ao Atlético, trabalhaste numa antiga filial (Atlético Clube do Cacém) e no maior rival. A rivalidade sente-se ou é coisa do passado?
Na minha opinião sentimo-la mas mais da parte do Atlético em relação ao Belenenses. Não é tão recíproca.

O trabalho de um treinador é muito extenso, mas pode ser orientado com base em filosofias e ideias. No teu ponto de vista, e em geral, quais as filosofias e ideais deve seguir um treinador?
Aquilo que mais gozo me dá em estar no futebol e estar nestas funções de liderança de equipas, é estabelecer e desenvolver o relacionamento de confiança com os jogadores. Recordo uma pergunta que me fizeram há algum tempo sobre o que eu gostava mais no futebol. E que a maioria das pessoas iriam responder que era ganhar. E a minha resposta foi essa, o que me dá mais gozo é sentir um grau de relacionamento com os jogadores de absoluta confiança, de eu sentir que eles fazem-no por mim e eu faço-o por eles. E quando se consegue atingir esta relação de confiança mútua É o que mais gozo me dá. Sentir que eles não me vão desiludir, e eu saber que eles acreditam que eu não os vou desiludir. Para mim isto é o clímax. Porque ao fim e ao cabo o futebol trata-se de relações pessoais. É um jogo colectivo onde quando as relações se estabelecem e se conseguem potenciar, a equipa fica muito mais forte. Passa a ser uma equipa e não um somatório de individualidades.

Obviamente que para eu ganhar esse respeito e confiança dos jogadores, eles têm que ver em mim alguém com competência técnica e depois com capacidade para os liderar. Porque eu não me imponho à bruta, tem que ser uma coisa natural e suave que eles consigam perceber e acreditar em mim. É da opinião que deve ser mantida uma relação de proximidade entre jogadores e técnicos?

Essa relação de proximidade deve ser mantida quando puder ser e quando tiver que ser. E quando tiver que ser mais distante e mais frio, também o ser. Não vou andar abraçado a eles e aos beijinhos e passar a mão por cima do pêlo a toda a hora. Faço-o quando sentir que o devo fazer. Mas quando tiver que ser frio, distante e duro, também vou ter de o ser.

É a tua primeira experiência como treinador principal. A pressão é diferente? Quais são as diferenças entre ser adjunto e treinador principal?
Vou responder da seguinte forma. Como já ouvi recentemente nos últimos dias publicamente, mas não é nada que eu já não tivesse dito antes a várias pessoas em privado, eu ando a preparar-me para isto há muito tempo. E o meu objectivo de vida, a partir do momento em que como jogador percebi que não ia ser um jogador de topo, comecei a preparar-me para esta vida. E há muitos anos que me ando a preparar para isto. Obviamente que a pressão é diferente. A responsabilidade é diferente, mas eu sinto-me perfeitamente preparado porque andei a vida toda a preparar-me. Não estou a achar que não fosse assim. Não. Para mim tem sido perfeitamente natural, a única coisa é que agora eu faço aquilo que eu acho ser melhor, decido eu todas as situações e sinto-me muito mais confortável com isso. A pressão é maior? É. Porque neste momento é o meu nome que está em jogo e antes não estava tão visível. A responsabilidade e o julgamento público do meu desempenho não era tão claro. O meu trabalho era julgado mas pelas pessoas com quem trabalhava directamente. Por um lado isto dá-me maior responsabilidade, mas por outro lado dá-me a oportunidade de ser eu a decidir e a conduzir o processo, o que, obviamente, me agrada muito mais.

No Belenenses trabalhaste com alguns jogadores que se destacaram no Atlético. Deram-te alguma indicação sobre o clube?
Não. Trocámos algumas opiniões e até nos cruzámos com eles na Madeira, agora no jogo contra o Marítimo B, ficámos no mesmo hotel. Tive oportunidade de revê-los a todos, o que é sempre bom. Obviamente que falámos sobre o Atlético, e mesmo quando trabalhávamos no Belenenses, falávamos muito sobre o Atlético porque é um clube próximo. E é um clube que esses jogadores tiveram relações muito próximas. E este é um clube que marca as pessoas, atenção! É importante que se diga isto. Todas as peculiaridades e a cultura do clube, marca as pessoas. E as pessoas criam afinidades. Há uma cultura muito própria neste clube. Isso marca as pessoas e é notório. Aliás, muitas vezes no âmbito das nossas conversas entre a equipa técnica, o tema Atlético era muitas vezes falado. Não só por causa dos jogadores (João Meira, Filipe Ferreira, Tiago Caeiro) mas também pelo Admar Hipólito. Portanto havia uma ligação de várias pessoas aqui ao Atlético.

A tua contratação é somente até ao final da época ou fazes parte de um projecto mais duradouro?
O contrato é até ao final da época.

Qual o estado emocional em que encontraste a equipa?
Como é óbvio não esperava chegar aqui e encontrar esta malta no topo da sua capacidade de confiança e auto-estima. Todas essas capacidades psicológicas essenciais para uma equipa render ao máximo. É uma equipa que está em último, que está a encontrar o quarto treinador se contarmos com o Carlos Pereira são cinco esta época. Portanto Uma equipa que já está farta da mudança de treinadores, porque isso implica novas ideias, novas concepções, novas metodologias de trabalho e isso para eles também não é fácil.

Antes de cá chegares o que é que conhecias do Atlético?
Muita coisa (risos). O Atlético é um clube de Lisboa, e eu tenho feito quase toda a minha carreira em Lisboa. Portanto, não é um clube desconhecido para mim. Esta cultura, deste clube, não é um coisa desconhecida para mim. O ano passado ainda intensifiquei esse conhecimento, muito por via de ter trabalhado com vários jogadores que vieram do Atlético, inclusivamente o Secretário Técnico. E como disse antes, o Atlético era um assunto sobre o qual nós conversávamos. Também sou amigo do João de Deus, que já passou por aqui. Por isso já conhecia muita coisa.

Fala-nos um pouco sobre a tua equipa técnica.
Até o momento tem sido absolutamente fantástico. Estamos com 15 dias de trabalho e é uma equipa técnica absolutamente nova. O Luís Vilela é um amigo de longa data, inclusivamente jogou aqui. Tive a felicidade de poder contar com ele neste projecto. Ele abdicou de dar aulas para me acompanhar neste projecto, é uma aposta na vida dele. Estou muito contente por tê-lo aqui.

Conseguimos trazer o André São Miguel, que é um rapaz com muita capacidade, tem-nos dado um ajuda enorme, estava a trabalhar no Fátima. Tem uma vontade enorme de aprender, com capacidade, competência técnica. E uma capacidade de trabalho grande que nos tem dado uma ajuda fundamental.

Por último o Carlos Pereira que eu acho um verdadeiro caso de estudo. Porque está no Atlético há uma porrada de anos, já passou por várias equipas técnicas e o mais curioso, pelo menos daquilo que ouço, toda a gente fala bem dele. Toda a gente ficou com uma belíssima imagem dele. E eu pouco o conhecia, cruzámo-nos, cumprimentámo-nos, pouco mais que isso. E estou aqui há 15 dias com ele e acho-o de uma ajuda inestimável para o rápido conhecimento e transmissão de conteúdos daquilo que tem a ver com a vida do clube. E mais, tem disponibilidade para ajudar em tudo aquilo que ele conseguir, porque está sempre disponível. Tem sido absolutamente fantástico. Para além da função dele que é treinar os guarda-redes, e fá-lo bem, como ninguém.

Portanto, com 15 dias de trabalho, acho que acertámos na mouche na construção desta equipa técnica. Claro que os resultados podem fazer com que estas relações se cimentem e façam de nós uma equipa técnica com mais sucesso.

O Atlético consegue-se manter na Segunda Liga?
Não sou vidente nem mágico. Acredito que sou bom, acredito naquilo que posso fazer eu e a minha equipa técnica. Acredito muito nisso. E se não acreditasse nisso não entraria numa coisa destas. Porque é a minha primeira experiência como treinador principal, e como disse antes, andei a minha vida toda a preparar-me para isto.

Não entraria numa coisa se achasse que seria mau para mim. Porque sei que é o meu nome que está em jogo, sei perfeitamente que se isto correr mal a minha carreira pode ir num determinado sentido que não aquele que eu ambiciono. Por isso não tenho nenhum receio de ter aceite este desafio, porque eu via os jogos, conhecia a maior parte dos jogadores.

Sinto que os jogadores têm qualidade. Acho que há outras cosias que faltavam, e é nessas coisas que eu e a equipa técnica temos vindo a trabalhar. E temos que continuar a trabalhar. Obviamente que acredito que nos vamos conseguir manter.

Mas eu não sou vidente, o caminho vai ser muito difícil, temos de ter a ajuda de outras pessoas, e quando falo em outras pessoas não nenhuma ajuda espiritual, é pessoas que estão connosco aqui no terreno. Que se unam à nossa luta, que nos façam ficar mais fortes para podermos lutar com armas idênticas ou superiores às dos adversários. Porque uma equipa constrói-se dessa forma.

Queres deixar alguma mensagem aos sócios, adeptos e simpatizantes do Atlético?
Quero. Para não cair nos clichés do costume, eu acho que faz todo o sentido que as pessoas percebam que a mobilização dos adeptos tem um impacto enorme no que pode vir a ser o futuro próximo deste clube.

A mobilização dos adeptos nestas últimas jornadas, principalmente nos jogos em casa, é importante. A ideia que eu tenho é que nos jogos em casa vêm poucos, mas mesmo esses poucos estão sedentos e ávidos de ver qualquer coisa boa. Uma boa exibição, uma vitória, e esta malta é um ambiente complicado aqui, se acontecer alguma coisa boa, esta malta vibra com o Atlético como poucos. É preciso haver capacidade de mobilizar as pessoas.

Se calhar estas palavras vão ser lidas por poucos, mas se fizerem eco junto de outras pessoas ou grupos que se aglomerem e consigam mobilizar Aquela claque (Curva Tejo) e outros grupos de malta jovem, outros mais velhos, que se unam e que percebam que para a vida futura do Atlético estes jogos, principalmente em casa, vão ser decisivos. O apoio é virem, nada mais do que isso. Virem aos jogos. Para nós sentirmos que esta malta está viva, que o Atlético está com força e vitalidade. E isso será decisivo.

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