Hugo Carreira: «Envergar a braçadeira de capitão é um orgulho»

É o veterano do plantel. Aos 34 anos já passou pela Primeira Liga, China e Chipre. Hugo Carreira é um dos pilares da defesa alcantarense. O 'Sou Atlético' foi à Tapadinha conhecer um pouco mais de um dos capitães da equipa orientada por Gorka Etxeberria.

Hugo, conta-nos um pouco do teu percurso no futebol.
Comecei nas escolas do Sporting. Com 9 anos, estive lá 5 anos. Quando subi a juvenil fui para o Barreirense. Depois nos juniores comecei a treinar com os seniores e no meu terceiro ano de júnior fiz a época na equipa principal. O meu primeiro ano de sénior foi quando fui transferido para Espanha, para o Deportivo. Estive 3 anos em Espanha, regressei um ano na Amadora, na Segunda Liga. Depois fui emprestado no ano a seguir ao Nacional.
Depois o meu percurso, basicamente, foi no Estrela, até 2009. Em 2009 fui para a China, onde estive uma temporada, no ano a seguir estive no Chipre. Regressei e estive parado até Janeiro, fui quatro meses para Portimão, até que se dá a altura de vir para o Atlético.

Internacional sub-21, passagens por Espanha, Chipre e China, 91 jogos na Primeira Liga. Nesta fase da carreira, sentes que podias ter ido mais longe?
(Pausa) Sinto que sim. Hoje acabo por sentir que sim. Na altura pensava que estava no bom caminho... As coisas talvez pudessem ter sido de outra maneira. Hoje paro para pensar um bocado e acho que sim, acho que podia ter sido diferente.
Houve uma altura, salvo erro em 2006, em que eu acabo por renovar com o Estrela porque já tinha dado a palavra ao Presidente. Podia ter saído para fora... E se calhar, não sei como é que seria hoje. Uma pessoa nunca sabe. Mas na altura falaram-me para ir para a Roménia, na altura em que foram outros portugueses para lá, e... Na altura acabei por ficar no Estrela e só saí em 2009. Mas penso que sim, podia ter feito coisas mais interessantes.

Lembraste da tua estreia como sénior?
Não me lembro contra quem foi... Mas lembro-me do ano, dos jogos, de alguns jogos que fizemos, do ano que passámos. Ali no Barreirense, foi um ano excelente. Eu comecei a trabalhar com os seniores do Barreirense era júnior de primeiro ano, a meio da época. Tive uma época de experiência, no ano a seguir voltei só a treinar e a jogar pelos juniores. Mas foi uma coisa... É a tal adrenalina de ser júnior e estar no meio dos seniores e aprender com eles. Uma pessoa ter vontade. Situação, talvez, que não vejo muitos miúdos hoje a fazer.

O plantel actual do Atlético tem 3 jogadores que passaram pela formação do Barreirense (Marco Bicho, Hugo Carreira e Pedro Moreira). Além disso, do Barreiro, saíram muitos jogadores que fizeram história na 1ª Divisão. O que há de tão especial no Barreirense para ser esta fábrica de jogadores?
O Barreirense, em primeiro lugar, é o meu clube de coração, é o clube que eu gosto. O Barreirense tem uma mística, pelo menos na altura em que eu lá estive - não sei como estará agora, mas penso que esteja diferente - em que uma pessoa era absorvido pelo clube. Eras "Obrigado" a gostar. Sentia-me bem, estava em casa, as pessoas acarinhavam e gostavam. Iam aos jogos, tinham um sentimento especial pelo clube. É uma situação diferente de um Benfica, Sporting ou Porto. É um clube característico. Talvez um bocado como o Atlético, digamos. Mas para mim é o clube, por todos onde eu passei, que mais me marcou.

Qual foi o treinador que mais te marcou?
Todos os treinadores que eu apanhei me marcaram. Nos clubes, nas selecções. Todos têm a sua quota-parte. Uns mais do que outros, mas no geral todos me marcaram. Mas tenho que realçar um treinador que eu tive nos juniores do Barreirense, o Mister Vasques. Foi uma pessoa que acabou por me marcar mais. Não só como treinador mas como pessoa. Marcou-me imenso. As conversas que tinha com ele, desabafava... uma pessoa diferente. E o Mister Rachão, que foi o que me deu a oportunidade nos seniores. Situação que o anterior na altura dizia que eu iria dar jogador, só que tendo os centrais todos lesionados nunca apostou em mim. No entanto tive a oportunidade com o Mister Rachão. Dou-lhe mérito porque apostou, eu era um miúdo, e acabou por me marcar.

Tens ídolos no futebol?
Não vou dizer que tenho ídolos no futebol, eu tento ser eu mesmo. Há sempre um ou outro que uma pessoa se pode identificar mais, que eu goste mais de ver jogar, falo em ralação à minha posição. Sempre gostei de ver jogar o Baresi, a qualidade que tinha, a forma de estar em campo. Mesmo o próprio Mozer, Fernando Couto. Foram acima de tudo excelentes centrais e acho que uma pessoa tem é que se identificar com os melhores, ou tem que tentar tirar o melhor, ver o que é que eles fazem de bom, e extrair isso.

Como te caracterizas como jogador?
Isso é muito mais fácil falarem os outros. (risos) Mas... acho que consigo jogar bem com os dois pés, e o meu forte é o jogo aéreo.

Qual foi a motivação para ir para um país tão diferente, a todos os níveis, como a China?
O dinheiro.

Apenas o dinheiro?
(Pausa) Sim, isso foi o que prevaleceu ao ir para a China. Porque acho que as pessoas não têm noção do país. Pode-se ouvir falar, mas quem lá está é totalmente diferente. O que me motivou a ir para lá foi o dinheiro. Uma pessoa acaba por apanhar um choque. A cultura é totalmente diferente de nós. E, sinceramente, não ia mentalizado para apanhar um choque tão grande. A forma de estar e ser, é totalmente diferente da nossa. Nesse sentido tive algumas dificuldades mas em termos desportivos não. Dei-me bem, em 30 jogos que tem o campeonato fiz 24, os outros 6 falhei por lesão. Acho que foi uma época bastante boa para mim.

Estás com 34 anos, tens perspectivas para quando arrumares as botas?
Muito honestamente não. Sinto-me bem e enquanto me sentir útil não quero deixar este mundo. E quando falo este mundo falo em relação a jogar, a estar dentro de campo. Porque eu olho para os miúdos de 18 ou 19 anos e muito honestamente, ao pé de alguns deles, sinto-me bem mais novo. Tento sempre trabalhar bem, ao máximo durante a semana. E é isso que tenho feito e vou continuar a fazer. E quando eu vejo que vou à frente de um miúdo de 19 anos... Se calhar hoje em dia os miúdos deviam ter um bocado da noção. Porque eu na altura tive a idade deles, e era incapaz de não trabalhar, e ao ver os mais velhos a trabalhar isso dava-me mais incentivo. E hoje em dia é o contrário. Sendo eu mais velho, dá-me mais incentivo e mais gozo trabalhar porque vejo que consigo estar ao nível de muitos deles, ou ainda melhor.

Pela experiência que tens de Primeira Liga, que jogador foi mais complicado de marcar?
Apanhei alguns. Não me recordo de todos. Uns mais complicados que outros. Mas sei que um deles, muito honestamente, foi o Liédson. Dava trabalho que se farta. Baixinho, pequenino, acabava por ser o primeiro defesa do Sporting. Era um jogador chato. Não parava um segundo. Era tremendo. E como é que é possível um jogador com as características dele, baixinho, com a elevação que tinha...
Um jogador que também me deu gozo de ver, defrontar, acabou por ser o João Pinto. Estava eu no Nacional e recordo-me de no dia a seguir ler os jornais e de ver que o João já não bisava há não sei quanto tempo e acabou por bisar contra nós. E eu estive nesse jogo e acabei por estar ligado, se não estou em erro, ao último bis dele.

Tens algum objectivo profissional que tenha ficado por concretizar?
(Pausa) E ficou mesmo por concretizar, porque já não vou concretizar quase de certeza. Gostava, como disse antes, de ter chegado um bocado mais longe e ter chegado à Selecção Nacional. Acho que isso era o maior troféu que podia ter ganho na vida e também ao mesmo tempo uma outra situação de não ter sido campeão em Espanha, porque não tive a oportunidade de jogar um minuto na altura que o "Depor" foi campeão em 2000. Só tive oportunidade de ir para o banco, não tive a oportunidade de jogar. São as únicas coisas que me custam mais.

O gosto pelo futebol vem de família? Houve alguém que tivesse um papel determinante na tua carreira?
Comecei a gostar de futebol porque o meu pai me levava a ver os jogos. Desde miúdo que o pessoal na rua acaba por jogar à bola. É o que eu digo sempre e vai ser sempre assim. Eu acabei por chegar onde cheguei foi pela vontade e pelo trabalhar. Porque eu recordo-me de olhar para os outros e ver miúdos com muito mais qualidade que eu. E eu pensava para mim "eles têm qualidade mas eu tenho que chegar ao nível deles". Enquanto eles tinham a qualidade eu tinha a vontade. Foi isso que prevaleceu e se calhar cheguei onde cheguei por causa da minha forma de pensar.

O que pensas da emigração de jogadores portugueses para campeonatos de menor expressão como o Irão, Chipre ou Roménia?
Há certos países que é complicado. Se calhar se me propusessem neste momento ir para fora... ponderaria. Para que país seria, para que campeonato. O que eu mais gosto de fazer é jogar, mas uma pessoa também tem que olhar para a parte financeira. Entendo quando os jogadores vão para fora porque têm que ganhar dinheiro, e cá não tendo oportunidades e não havendo dinheiro, porque hoje em dia os clubes não têm dinheiro e pagam verbas que se eu retroceder no tempo, Barreirense pagava mais na II B há não sei quantos anos, e são situações... Mas isto é geral, em Portugal, na Europa. Eu entendo perfeitamente que eles emigrem e que vão à procura da vida deles. Acho que fazem bem em fazê-lo. Só que há que ter em atenção ultimamente porque campeonatos como o do Chipre, se formos a ver a maioria das pessoas está a vir embora, porque não recebem 4 ou 5 meses e é muito complicado.
Sinceramente, se eu pudesse voltar atrás, se calhar quando cheguei de Espanha tinha feito um ou dois anos cá em Portugal e tinha ido para fora. Porque se formos a ver, em certos países que agora estão a despontar, antigamente já havia muitos jogadores, só que não era tão falado. E se formos a ver, em termos financeiros, acabaram por ficar muito melhor que outros que passaram a vida aqui na 1ª Divisão.

Nos últimos anos têm sido muitas as notícias de salários em atraso no futebol português. Isto já é algo normal?
Já. Já é algo normal, pelo menos desde a altura em que eu passei por essa situação no Estrela da Amadora. Era eu o capitão, era eu que tinha a responsabilidade de transmitir aos meus colegas quando havia a promessa de pagamento e depois não pagavam e quando havia gente a dizer que era para a semana e chegava a semana e tinha que dizer aos meus colegas que já não... É muito complicado. São situações que já se passavam em alguns clubes, já nessa altura, mas o que despontou mais foi o Estrela. Mas continua e vai continuar a haver e outros países na Europa também já estão assim.
Acho que o problema é geral, mas também sei perfeitamente que há muitas equipas que têm a oportunidade de pagar sem falharem mas aproveitam a tal crise que há para se baterem dessa forma, se calhar com um, dois meses. É um mal geral.
Acho que teria que chegar alguém e pôr mão nisto, não sei se a FIFA, a UEFA, a FPF, a Liga, quem seja, mas já devia estar estagnado, não amanhã, mas há dois ou três anos atrás.

Que análise fazes à Segunda Liga?
É uma liga muito competitiva. Acho que é tão difícil ganhar em casa como ganhar fora. E é tão fácil ganhar em casa como ganhar fora. As equipas são muito equilibradas e é nos pequenos pormenores que se ganham os jogos. Acaba por ser um campeonato de muita luta, muita disputa, e são esses pequenos pormenores que fazem a diferença entre uma equipa ganhar ou não.

Deveria existir um limite de estrangeiros?
Não vejo as coisas assim. Penso que parte da capacidade das pessoas. Quem gere o futebol, quem toma decisões. Cabe às equipa gerir essa situação. O grande problema que eu vejo, principalmente agora com as equipas B, em minha opinião é que os jogadores da equipa B podiam ir à equipa A, mas o contrário não. Porque acaba por ser um campeonato desnivelado. Porque quando as equipas B estão a precisar de pontos acabam por meter mais valias que têm na equipa A e acabam por ganhar jogos que à partida se jogassem só os da B não os ganhariam. É aí é que há essa disparidade na minha forma de ver. Ou então fizessem um campeonato de reservas para as equipas grandes rodarem os jogadores. Assim acaba por ser um campeonato de mentira.

Como se processou a tua vinda para o Atlético?
O Atlético acaba por ser um clube, é curioso, que recordo-me de defrontar quando estava no Barreirense. Na altura o Atlético era uma das equipas que tinha melhores plantéis e que jogava melhor à bola. Recordo-me de ter defrontado o Silas, e a realidade é que eu cresci aqui perto e sempre foi um clube que senti, não posso dizer um carinho, mas sentia curiosidade em relação ao clube. E acabou por se processar. Alguns colegas meus que tinham sido colegas em outras equipas já aqui estavam, o Atlético precisava de um central - ou de mais que um central - acabaram por falar com o treinador e deram indicação ao mister António Pereira, que acabou por fazer alguns contactos para saber como é que eu era e acabei por vir aqui para assinar pelo clube.

O ano passado foste um dos jogadores-chave da equipa. Que balanço pessoal e colectivo fazes da temporada passada?
Acho que acabou por ser um balanço positivo, na minha forma de ver. Tive também algum infortúnio de me ter lesionado. Perdi alguns jogos. Acabei por ter de ficar de fora e é a pior coisa que pode acontecer, e eu falo por mim, é ver os colegas a jogarem e não poder dar o meu contributo.
No cômputo geral, acho que foi bastante positivo.

Definiste objectivos pessoais para esta temporada?
Em termos de equipa o meu objectivo é que a gente garanta a manutenção o mais rapidamente possível e só depois tentar ver se conseguimos fazer mais alguma coisa. Em termos pessoais é trabalhar todos os dias, todas as semanas de maneira a jogar sempre bem e ser sempre uma opção para o treinador.

Estavas à espera deste início de campeonato?
Muito honestamente não. Jamais pensaria que obteríamos os resultados que obtivemos. Não só por ser o Benfica ou o Sporting ou as outras equipas. Eu acho que a forma e tudo o que se processou em relação à equipa, à forma de construir a equipa, os problemas que o clube vivia... São situações que acabam por mexer muito connosco. E bem ou mal, não vou dizer que os problemas iam lá para dentro mas assim que acabávamos os treinos ou os jogos o pensamento é quando é que isto se resolve. E acaba por mexer e jamais pensaria que fôssemos obter os pontos que obtivemos à quarta jornada. No ano passado à 11ª jornada tínhamos 9 pontos...

Qual é a sensação de envergar a braçadeira de capitão num emblema histórico do futebol português?
Em relação a ser capitão, como eu já estou farto de repetir, é bom envergar a braçadeira de capitão dentro de campo, mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade enorme. Mas antes disso, eu continuo a dizer que o capitão da minha equipa é o Luís Dias. E vai ser sempre. Porque o Luís é um dos mais velhos aqui, é a pessoa que é, e há que respeitar. Eu ainda sou desse tempo. E envergar a braçadeira de capitão acaba por ser um orgulho, sinto um orgulho enorme, já tive a oportunidade de envergar a braçadeira de capitão noutras equipas mas ao mesmo tempo tenho tido azar porque as equipas onde enverguei foram equipas com problemas. No entanto uma pessoa acaba por ter mais responsabilidade e ter que estar a transmitir, por vezes, más notícias... Não é bom. Por um lado é satisfatório ser capitão, mas por outro é uma responsabilidade enorme.

Se te pedissem para descrever o Atlético, como definirias o clube?
É um clube com uma mística, agora não tanto... Mas já oiço falar do Atlético, que eu sou dos mais velhos, quando o meu pai me falava do Atlético, familiares meus - como eu já disse, cresci aqui perto - falar do Atlético. É um clube com uma mística... Eu vejo o Atlético como um clube de bairro que está numa liga profissional. É um clube que, sinceramente, acabei por ganhar apreço, gosto do clube, mas é um clube que parou no tempo.

Queres deixar alguma coisa aos adeptos, sócios e simpatizantes do Atlético?
É sempre bom deixar. Apoiem-nos. Acho que muitos não têm oportunidade de nos ver durante a semana, mas se muitos viessem aqui ver-nos a trabalhar, trabalhamos com uma dedicação tremenda, somos profissionais e damos o máximo em todas as alturas, em todos os jogos. Seja em casa ou seja fora. Não deixem de nos apoiar. Há jogos que se calhar as cosias não sem como nós queremos, como o nosso último jogo (n.d.r. contra o Beira-Mar, em casa) que para mim foi o jogo mais fraco que fizemos, onde não estivemos tão bem. Mas continuem a apoiar, nos respeitaremos os adeptos.

Entrevista conduzida por Hugo Costa.

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